sábado, 7 de agosto de 2010

O Quarto Poder. A favor, não contra.


Documentos divulgados pelo site Wikileaks revelam a atuação e os fracassos da Força Tarefa 373, um grupo especializado em capturar e assassinar membros do Talibã e da Al Qaeda

Os 91 mil relatórios de operações americanas realizadas no Afeganistão entre 2004 e 2009 e vazados pelo site Wikileaks.org e aos jornais The Guardian e The New York Times e à revista Der Spiegel vão constranger o governo dos Estados Unidos por um bom tempo. De todos os temas expostos pelos documentos – que vão desde o suposto auxílio da inteligência paquistanesa ao Talibã até ao tipo de arma que os militantes usam contra as tropas da coalizão – aquele que certamente criará mais dor de cabeça é o que envolve a morte de inúmeros civis na “guerra secreta” travada pelos EUA no Afeganistão.

A existência de operações obscuras e principalmente de baixas civis não são assuntos exatamente novos. Muitas reportagens revelaram o impacto negativo das mortes de civis na busca da simpatia do povo afegão pelas tropas da coalizão liderada pelos EUA. Havia poucas informações sobre as operações secretas no Afeganistão, mas o debate sobre a legalidade do uso delas é um assunto corriqueiro nas discussões sobre os procedimentos usados pelos EUA. O que impressiona nos documentos do Wikileaks é a amplitude dessas operações, a disparidade entre o discurso oficial da Casa Branca e o que realmente ocorreu e o nível de detalhe exposto nos documentos.

No centro das operações secretas está a Task Force 373 (Força-Tarefa 373). O grupo é formado por integrantes de duas corporações especiais americanas – os Seals, da Marinha, e a Força Delta, do Exército, a maioria recrutada do 7º Grupo de Forças Especiais, baseado no forte Bragg, na Carolina do Norte, uma das mais importantes e famosas instalações militares dos EUA. Segundo o Times, o Guardian e a Spiegel, a FT 373 é encarregada de realizar operações de captura e assassinato de líderes do grupo militante islâmico Talibã, da rede terrorista Al Qaeda e traficantes de drogas. A Força Tarefa tem três bases no Afeganistão – em Kabul, Kandahar e Khost – e faz suas operações em helicópteros Chinook e Cobra pilotados por membros do 160º regimento de aviação de operações especiais, sediado na base Hunter Army, no Estado da Geórgia.

O grupo trabalha com uma lista de alvos com mais de 2 mil nomes, nos quais os escolhidos têm um número de registro e um número que indica a prioridade de sua morte ou captura. As ordens chegam diretamente do Pentágono, muitas vezes sem qualquer notificação à liderança da Força Internacional de Assistência em Segurança (Isaf, na sigla em inglês), a entidade que reúne as tropas da coalizão. A decisão de matar ou capturar os alvos fica nas mãos dos próprios membros da FT 373. Os documentos mostram que aparentemente a Força Tarefa tem um alto índice de sucesso em suas missões, mas há dois episódios que mostram o que pode acontecer quando uma operação não dá certo.

Em 11 de junho de 2007, o alvo da FT 373 era Qarl Ur-Rahman, um membro do Talibã, que estava em um vale perto da cidade de Jalalabad. A missão noturna teve problemas quando o grupo se envolveu em um tiroteio. Um avião AC-130, especial para ataques contra alvos terrestres, foi chamado e disparou nos “inimigos”. A missão original acabou cancelada e depois os americanos descobriram que além de “quatro inimigos mortos” o ataque aéreo deixara sete policiais afegãos mortos e outros quatro feridos. O Exército americano divulgou um despacho para a imprensa citando o tiroteio e o apoio aéreo, mas em nenhum momento mencionou as mortes dos policiais afegãos.

Apenas seis dias depois, o desastre foi ainda maior em uma missão realizada em Paktika, uma província no sul do país. A operação tinha como objetivo matar Abu Laith al-Libi, um líbio que atua como comandante militar da Al Qaeda. A FT 373 acreditava que ele estava em uma madrasa (escola islâmica) no vilarejo de Nangar Khel. A idéia era bombardear o local e, depois, entrar por terra para tentar encontrar Al-Libi. Após o bombardeio, os membros da Força Tarefa entraram no local. Al-Libi não foi encontrado, mas ao lado de seis militantes do Talibã mortos havia seis corpos de crianças. Uma sétima criança sobreviveu, e após ser reanimada no local foi encaminhada a um hospital.

Segundo o Guardian, o Exército americano disse à imprensa que as crianças foram usadas como escudos-humanos, uma afirmação que tem base apenas numa informação passada aos militares por um “ancião”. O despacho entregue aos jornalistas não cita o fracasso da operação, a participação da FT 373 e nem o fato de que cinco foguetes foram atirados contra o local antes que qualquer tiro fosse disparado contra os militares. Ainda de acordo com o jornal inglês, o documento está marcado como “secreto” e também com a sigla “Noforn”, que proíbe a divulgação de detalhes da operação para membros da Isaf não americanos.

Em 4 de outubro, mais um fracasso. Membros da FT 373 travaram um tiroteio com integrantes do Talibã que estavam escondidos em uma casa em Laswanday, uma vila próxima à de Nangar Khel (onde as seis crianças morreram). Segundo o Guardian, quando a FT 373 chamou o apoio aéreo, os talibãs aparentemente haviam ido embora. O saldo do bombardeio incluía seis civis mortos (quatro homens, uma mulher e uma menina), três feridos (um garoto de dez anos e duas adolescentes), um cachorro, um burro e várias galinhas mortas e nenhum inimigo morto, ferido ou preso. A coalizão fez um comentário sobre o ataque, mas afirmou mentirosamente que “vários membros do Talibã” foram mortos no ataque.

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