quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A crise e o bolso do contribuinte

João Roberto A. Neves (*)

A alma do povo norte-americano foi moldada pelas idéias materializadas no libelo Senso Comum, de autoria de um inglês liberal e democrata, Thomas Paine (1737-1809), defensor de uma sociedade forte, ancorada em valores morais e éticos, para quem o "governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário". Ao longo do tempo, essa moldura ideológica sofreu a benéfica influência das teorias comuns do liberalismo, originárias das doutrinas dos economistas clássicos, especialmente de Adam Smith. Por isso, intervenções estatais, especialmente na economia, são abominadas pela sociedade, em especial pelos republicanos.

A atual crise financeira é fruto de uma política monetária expansiva, geradora de vasta expansão de todos os tipos de créditos, incentivada desde 2003 pelo Federal Reserve (Fed), com ausência total de mínimos critérios de aferição creditícia. Esse fato propiciou a cobiça de investidores gananciosos em mercados complexos, com tendência irrefreável para acumular o máximo de riquezas materiais no mais curto lapso temporal. Essas ações inconseqüentes minaram os dois esteios do sistema financeiro - liquidez e confiança. E a confiança é tudo para os participantes do mercado, como demonstra Smith na Teoria dos Sentimentos Morais.

O interessante nessa história é que o Tio Sam e o Reino Unido, esquecendo que os mercados são balizados por normas morais reciprocamente aceitáveis, resolveram usar uma fórmula terceiro-mundista, na qual o principal ingrediente é o suor do contribuinte. Razão tem Allan Meltzer (80), professor de Política Econômica da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, tido como o maior estudioso do Fed, que, lembrando o saudoso Milton Friedman (1912-2006), disparou: "O governo e o Fed estão confundindo interesses privados com interesses públicos. E isso é um grande erro". Deveras. Crises sempre existiram, inclusive em países da OCDE, sem que houvesse o enterro do capitalismo, mesmo depois da Grande Depressão de 1929, quando os bancos foram divididos em duas categorias pela Lei Glass-Steagal de 1933 (abolida em 1999), conforme provam trabalhos dos economistas Robert Barro e José Ursua (Crises Macroeconômicas desde 1870, Estudo 13.940 da NBER, abril/2008), da Universidade Harvard, e Stijn Claessens, Ayhan Kose e Marco Terrones (O que Acontece Durante as Recessões, Apertos e Quebras? agosto/2008), do MIT. Saudades de Andrew Mellon, com sua sugestão para Herbert Hoover liquidar ações, imóveis, atc.



(*) advogado

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